domingo, 19 de dezembro de 2010

Verão

Com meus cabelos cheios de sal
Vou me vestir de tanto amor.
Quase nua com o calor
Vou me despir do tempo.
É mar, é sol, é amar.

domingo, 28 de novembro de 2010

Afetos














Lágrimas brotam na terra
Nascem pedras de ouros e pratas
Enfeita pescoço de moça
Realça a boca rosada
Sorri com os olhos
Sufoca as palavras.

domingo, 21 de novembro de 2010

Vênus e Jesus

Ela usava batom vermelho. Ele, óculos. Ela o conheceu com os cabelos grandes. Ele diz que ela não muda desde lá. Ela acordava com mal hálito. Ele tinha chulé. Ela só comia doces. Ele ficava bêbado aos domingos. Ela era aspirante a ser escritora. Ele um músico de final de semana. Ela chorava com o final da novela. Ele só chorava na frente dela. Ela queria ter uma filha. Ele não estava pronto para ser pai. Ela pintou as paredes da sala de laranja. Ele se assustou quando se mudou. Ela sempre tinha crise de risos depois do sexo. Ele dormia antes disso. Ela era de câncer. Ele duvidava de Deus. Ela havia beijado mais meninas que ele. Ele namorou com a Bianca, a Beatriz e a Bárbara. Ela não tinha namorado ninguém. Ele, um dia nublado. Ela, noite de lua nova. Ele não suportava o absurdo. Por isso, Ela acredita que era de Vênus. E Ele pede a Jesus que tire isso da cabeça dela.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Amantes

Bilhete ao Amado

Contemplo as imagens
Das ruas sempre a seguir
Em nós jamais desatados
Por uma bailarina de corda
Nas fotos desbotadas em Carmim
A valsa de rosas azuis
Que dancei até sobre espinhos
E ao contar os minutos longos de horas cur
Inventei-me, cansei de ti.

Carta à Amada

Caminhei sobre rodas, camelos e asas
Presenciei guerras, vitórias e pausas
Andei sobre mim, todos e mais ninguém
Ainda procuro os detalhes de azul, verde e prata
Da gota em folha de orvalho
Mas só encontro seu relicário
De magoas amargas de laranja
E em rubro tento renascer a dança
Envolver-me de ti.

domingo, 7 de novembro de 2010

Tiro na Lua

Deixei os assassinos dançando na sala e invadi o quarto sem portas da tua mente. Não faz sentido, mas tu nunca fizeste mesmo. Quebrei aquela janela no canto direito, antes semi aberta, e trouxe tudo que deixaste de fora dessas paredes brancas. Invadi como um câncer, o teu tumor forjado alguns anos atrás. Voltei para entrar nos armários, baús e prateleiras, alguns mais empoeirados, outros não. Tu me deste esse direito, mesmo em frente ao arrependimento, já é tarde. E depois de rever os portas retratos, as cartas com mais de mil perfumes, cadernos e livros, pego aquela caixa de sapatos que guardaste debaixo de tua cama. Sabia, nem tu lembravas dela. Ou finges não lembrar. E todas as vezes que tu me beijaste com os olhos abertos com os pensamentos nas bebidas e cigarros da boca de tantos outros. As vezes sentia o gosto. E todas as vezes que deixastes o gozo daquelas putas e viados na sua boca, eu me afogava e apodrecia dentro de teus lábios. Dentro de tuas mentiras. Quase me matou, mas tu nunca quiseste ser criminoso. E quando eu sair do quarto, os assassinos vão parar a dança e atirar por suas paredes, esburacando tua cabeça com balas de prata. E a única coisa restante será eu, ou a memória do meu riso te torturando aos poucos. Tu sabe, sempre soubeste, que seria teu câncer.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

domingo, 3 de outubro de 2010

Love Will Tear Us Apart

When routine bites hard

And ambitions are low

And resentment rides high

But emotions won't grow

Love Will Tear Us Apart - Joy Division

O telefone tocou e tive a sensação comum da faca descendo pela minha garganta. Ficava em silêncio, com a porta trancada, ouvindo os sussurros de sua voz carinhosa e doce de menino. Menino que a tanto tempo não era mais comigo. E pensar que jamais teria qualquer amor, qualquer desejo do meu menino, fazia com que eu quisesse me jogar da janela daquele quarto, no meio da noite, no meio do centro da cidade. Talvez o trânsito parasse e finalmente, alguém me enxergasse, como em algum conto de Clarisse.

Meu menino, não mais tão inocente, ria, como quando nos conhecemos. A faca chegava no meu estômago. Imaginava um mulher de boca carnuda ou olhos verdes, ou até uma menina de colégio. Podia ser qualquer uma. Minha falta já está definida em um lugar preenchido. Ele desligou o telefone. Deitei-me em baixo do lençóis e de costa, ele deita no meu lado.

As vezes, penso em deixa-lo, em largar tudo. Mas como poderia abandonar meu menino? Foram muitos anos, meses, dias. E só de sentir seu perfume distante do meu lado nas madrugadas, me faz pensar como todo o meu amor seria em vão se o abandonasse. Prefiro provar meu amor, menininho, mesmo abandonada, ainda deitarei aqui, por mais vinte ou trinta anos.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Ego

Cristalizada na pintura
Guardo-me em caixa de nós
Moldada na janela em fresta
Da casa de bonecas.

Revela
A beleza de moça altiva
Na timidez de boca rosa
De olhar narciso
E Maria, as três contemplam
A margarida no jardim de ervas
Na mobilidade do cadeado.

Esconde
A sala de eco vazio
Moça curvada em melancolia
Corcunda de pai, mãe em libras
Tece sonhos em manta invisível
Dividida nos cacos de vidro
Pintada do sangue de juntar-se.

Renasce
Na bravura de velejar em tempestade
Desenhada em faces do tempo
Na tela sem moldura
Metamorfose de cada segundo
Me desfaço por inteira
E crio mais uma vez.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Insustentavelmente longo

Os olhos se cruzaram no saguão lotado; o brilho da atração já estava lá. Conversaram, riram, dançaram, dividiram um drinque e compartilharam um beijo. Sem demora, um dos dois pergunta: "na sua casa ou na minha?". Nenhum deles queria um relacionamento sério, ou sequer um relacionamento, mas gostavam do perigo daquele encontro casual poder se transformar em algo de uma semana, um mês ou até um ano. Não mais que isso.

Na manhã seguinte, ela acordou lembrando que não havia conseguido um orgasmo. Saiu sem sapatos para que ele não acordasse. Enquanto deixava o apartamento pequeno no subúrbio, já pensava na conversa com as amigas mais tarde; contaria como ele lhe oferecera um vinho barato e de sua conversa medíocre, e mesmo que tivesse aquela expressão de homem que não traí, jamais poderiam ser compatíveis: ele era de gêmeos.

Ele ouviu ela bater a porta ao sair, e riu, nem havia percebido que estava acordado há tempos. Graças a Deus, não aguentaria mais um minuto com aquela mulher frígida que falava sem parar, até durante o sexo. Sentiu a cabeça doer apenas por se lembrar. Ela era bonita, sim, mas ele era supesticioso. Não tinha sorte no amor. Nenhuma. Então, era melhor fugir de relacionamentos enquanto podia, pelo menos durante uma semana, um mês ou até um ano.


quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Mon Amour

Deixe-me cantar em francês, mon amour. Minha voz ecoa em lugar nenhum, apenas fora dos meus pensamentos, cantando nossas juras de amor que duraram um única noite. Não canto um Blues amargo, porque não corresponderiam as nossas falas sem sentido pela madrugada, mesmo com sua partida para as terras rodeadas de mar do nordeste. Prefiro cantar um pouco de Jazz e mexer meu corpo como fizemos na França.
Por isso, me aventuro em palavras, sem entedê-las direito. As luzes de Paris refletiam nos cachos dos meus cabelos e assim, eu podia seduzi-lo dentro de suas próprias mentiras. Pois, meu bem, sozinhos podíamos ser só pessoas, não ligaríamos para as palavras e canções alheias. Ficaríamos na nossa voz e violão.
E prometemos outras noites, mas ficamos apenas naquela. Não me arrependo, mesmo quando estou nos braços de tantos outros e não me parece certo. Canto, então, em francês, mon amour, não quero esquecer sobre nosso Jazz e Blues.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Tons Ambíguos



E lá estava ela, largada no sofá, rosto lavado em lágrimas, peito dilacerado em dor. Mesmo vestindo a sua calcinha de renda preta e seu melhor perfume, só conseguiu ser invadida por trás, sem o luxo de ser romantizada como mulher.
Ele saiu ajeitando o membro flácido nas calças e a deixou, sem mais palavras. E crua, ela levantou-se com o sangue escorrendo pelas pernas e pós o batom de mesmo tom. Tentou sorrir, mas estava tão quebrada, e mal amada, e com a maquiagem escura manchada, e feia. Ela poderia continuar com infinitos E.
Desistiu. Saiu daquele inferno com os pés queimando pelo asfalto, naquele fim de tarde de setembro. Mal respirava tamanha a dor. O céu ganhava tons ambíguos. Não conseguia mais chorar. E, ao pôr do sol, sentia que tinha virado bicho.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Preto no Branco

A textura era de ferrugem, quase gasto e mal se podia ver. Aquelas fotos antigas com as pontas arredondadas que marcavam um rosto de carácter ingênuo. Trazia amêndoas, acerolas, mar, pés descalços, bonecas, palhaços, girassois, areia, nuvens, verão. A sensação do tempo infinito que só existem enquanto ainda somos crianças.

Depois, cores desfalcadas apareciam. Um azul cheio de timidez, um amarelo e o vermelho dos lábios. Retratos guardavam a beleza do encontros, bebidas, toques um tanto amargos, amigos e inimigos. Compõe ritmo frenético de poder ser irresponsável, quando os anos começam a passar sem serem percebidos.

O espaço cresce, enquadra. O universo recheado de tons vibrantes que começam a ser nítidos. Frutas doces tornam-se azedas e o azedo justifica a magoa de escolher a cada passo o próprio futuro, claro, de olhos vendados. Fuma-se um cigarro, depois outro e o sabor permanece na boca seca. As faces estão magras e os cabelos estão sobre os olhos. Sede de corpos próximos, mas de emoções distantes.

A moldura branca, a primeira e a definitiva. Reluzia o preto, marrom, roxo, rosa, laranja, verde, em foco e em plano. Mãos para seduzir, amores definidos e o desejo transborda imagem em perfeição. Quando chegamos perto dos trinta e aquele desespero pela estabilidade chega na porta. E em alguns anos viriam mais retratos, do puro branco do véu, dos filhotes no jardim, a falsa carreira, a mediocridade.

O gosto do café misturado com o cigarro dá náuseas a pobre Ana, ou Rita, ou Maria, ou Joana. Não faz diferença de qualquer jeito. Não havia fotos ou qualquer tipo de registro. Jamais poderia. Eram apenas aquelas mulheres de qualquer lugar. E nelas se encontrava a saudade da época e do tempo que nunca viveu, aquele desejo da vida que elas projetaram e nunca conseguiram, e assim, trancou-se no vazio surdo da consciência. Elas vivem pelo outro, pela novela das seis ou o romance de jornal, sobre tantas Sabrinas por aí.

Haviam, todas essas mulheres, esperado para descobrir que o tempo já passará. E talvez elas precisassem de mais cinquenta anos para descobrir que viveu apenas meio século. E como mulher, torço que pelo menos ou a Ana ou a Maria peguem a câmera com suas mãos um pouco enrugadas e tirem suas fotos, ainda que fossem monocromáticas.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Batimentos


Pensei que ouvi
Ainda pensei que senti
O desaparecimento de centenas de estrelas

Pensei que eles esperavam
Ainda pensei que eles me chamavam
O meu tempo estava parado

Pensei que encontrei
Ainda pensei que havia buscado
As memorias perdidas da interminável história

Pensei que viria logo
Pensei, e assisti o fim
O dia que atravessaria milhões de amanhãs
Como milhões de sonhos que um dia pode devastar

domingo, 25 de julho de 2010

Ascendente em Peixes

Sempre gostei de pensar que era um peixe preso dentro de um aquário quando não conseguia respirar. Tinha acabado de apertar o botão do sétimo andar, as portas do elevador se fecharam e aquele aperto no peito tão conhecido começou. Era o peixe, nadava desesperado e se batia no vidro, sem achar saída, quase sem forças para nadar.
O ar a minha volta desaparecia. Arfei em busca de algum vestígio, mas nada. Minha garganta estava sufocada com pedras. Sentei no chão as pernas tremendo. As paredes de vidro eram demasiadamente opressoras, já me impediam do infinito do mar.
Comecei a procurar na minha bolsa um saco de papel. Só consegui hiperventilar cada vez mais. São aqueles dias que exatamente tudo sai errado para nos lembrar como somos fracassados. E agora estou aqui, com o meu salto quebrado, quase chegando na porta de casa e sem sequer conseguir sair do lugar. Sem um único salvador. E ainda desprezo a ideia de precisar de alguém para me socorrer. O aquário é demasiadamente pequeno para outro peixe.
O paradoxo é, eu sou a única que pode me salvar. Nadar até o oceano, dentro dessa metáfora tão pobre. Apenas me acalmar ou desmaiar de vez. E, o que eu faço? Começo a pensar na ligação da minha mãe ontem a noite para reclamar sobre a filha de trinta anos solteira e sem emprego fixo; na conversa hipócrita no escritório onde fiz um bico, sobre aceitar os outros, quando ao se pensar que é preciso aceitar já é não aceitar - aquelas hipocrisias do dia-a-dia; ou pior, como o molho do macarrão do almoço manchou a minha blusa branca. Tudo tão adequado.
A porta do elevador abriu. Não consegui levantar os olhos, só sabia que estava salva. E inútil. Senti o cheiro de Carlton. Já conseguia respirar. E mesmo arfando, tentei sorri. Saiu esdrúxulo, eu tenho certeza. Só que, por um instante, a vida no aquário não pareceu tão ruim. Aquele cheiro aqueceu meu corpo. E se viver num aquário significasse sentir isso, não me incomodaria de deixar de respirar. Para sempre.

quarta-feira, 30 de junho de 2010

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Desenredo

Escolheu beber café puro. Desejava que a vida parecesse menos amarga. Estava sentado entre duas poltronas vazias, parecia que haviam lhe pregado uma peça. Porém, não era homem de se incomodar com a solidão, já era afeiçoado a ela.
Bebericou um gole, um sorriso se espalhou por seu rosto com rugas. Parecia coisa da sua imaginação, mas esse café já tinha o gosto da França. Mesmo acima das nuvens já podia sentir a ansiedade de pisar no único lugar que poderia lhe trazer deleite.
Já escutava trechos de Pelléas Et Melisande ou melhor, o Bolero. Sempre preferirá Ravel em relação a Debussy, por sua arte ter sido recusada e ainda assim, ser uma das óperas mais conhecidas do mundo. Daquele jeito fúnebre com marcas de romance. Seus pés tamborilhavam ao ritmo.
E assim, no meio de tudo, ele se encontrava: velho, não tinha amante, muito menos filhos e com uma agenda de amigos que jamais ligaria para algum. E com um caminho em pleno céu. E talvez, ele pedia, algo novo acontecesse.
E aconteceu, inevitavelmente. Entretanto, este não era um homem de lamurias, com certeza, gostaria de sumir de vez. O café seria doce, pois não haveria nada. E melhor que isso, não precisaria ter a vergonha de um funeral sem ninguém.

terça-feira, 22 de junho de 2010

Teimosia

Costurei meus lábios
Cortado pelo silêncio
Que se molda como água
Em corpo de símbolos dispersos
Astros no instante de touro
Não me deixam perder.

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Polly

As luzes do parque escondem vários segredos. E ela só mais um. Sentada em uma xícara em rodopios contínuos, até que o mundo lá fora se tornasse apenas berrões.
Com a ilusão dos pequenos focos neon, podia sentir o cheiro do chá de boldo que sua mãe preparava ou aquele café dividido com um filósofo. Eram tempos passados e queria se recriar. Girava do lado contrário do mundo e as ideias de como metamorfosear surgiam. Queria colocar tudo para fora, se tornar egoísta e não ver ninguém.
O sinal tocou. A xícara parou junto com a ebulição de ideias. Quase vomitou tudo para fora, mas só conseguiu deixar um bolo em sua garganta.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Minhas doces mentiras

























Um nó de cabelo jamais desembaraçado,
que embola em ramos, em mais nós.

Ou se arranca com a tesoura
ou esconde sua feiúra.

Pois já não se consegue desfazer os nós.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Viola

Nessa canção
Sem Janeiro do Rio
Em pleno fevereiro
Move o balanço da brisa
Liberto as curvas
Acordes em harmonia.

domingo, 21 de março de 2010

Altair, Deneb e Vega


Talvez seja mais pessoal do que aparente, mas sou apenas moça de sonhos e pernas pequenas. Tão miúdas que vivem andando em círculos. Culpa do ascendente em libra.
Esqueço daquele dia que algumas meninas podem sentar em meio fio e lamuriar um pouco, as quais depois talvez nem se falem. Ou então os momentos de sabotagem, os quais escolhemos errar e nos forçamos a sentir sujas com pessoas mais sujas. Ou ainda aquele amor, de beijo de bala de cereja, bem doce, que nos deixa marcas e nos deixa só. E repito e repito, infinitamente.
Sobra a chuva que bate da janela ecoando por toda a casa quase sem mobílias. E eu aqui, apenas errando de novo, querendo sair dessa merda chamada vida.
Mas é como a canção diz, temos todo o tempo do mundo. E continuarei aqui, no mesmo lugar, no triângulo de verão que volta nos Verões do norte e nos Invernos do sul. Altair, Deneb e Vega voltam para me lembrar desse tempo perdido, que continua a se perder. E é tudo que eu tenho.
Mas me prendo a esperança e rezo por um céu sem estrelas, seja verão ou inverno.

sábado, 27 de fevereiro de 2010

Me transborda

Vem de longe, bem
Chega de mansinho
Trás a brisa boa da saudade
E pinta minha pele
Seda carmim bordado por ti

E me derreto em seu mel
E me embalo em sua fumaça
E te encanto com seu próprio encanto

Não é poema de amor, bem
Sopro o adeus para ti
E me deleito uma única vez.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Amor, vem e não vai

Quando te conheci, amor, eu era a irreverente e querido, você era o moralista. Para quê mentir, meu bem?
Meus cabelos eram pintados de verde, andava com o jeans desfiado e as camisetas cheias de protestos que nem mesmo sabia de quê. Fumava um ali, bebia outro cá, ia levando e queria ser levada. Sabia amar, sabia rir, e não queria mais, só o mundo de gente que passava por mim. E tinha você, baby, sempre no canto, com aqueles óculos de armação grossa e sempre com um livro de algum filosofo louco, com o currículo brilhante e os cabelos cacheados cheios de cuidado. E aquele olhar reprovador, de quem sabe mais que os outros e sabe que tem mais futuro, julga, julga, até não poder mais. Mas, paixão, você podia, e como! E aos poucos levou meu coração.
Tenho certeza que você não percebeu, anjo, mas levou minha vida também. E é verdade, quer eu goste, você goste ou não. Seja esta uma conversa de mal amada. Seu olhar reprovador, seu jeito de me fazer obrigar a dizer sim e ainda pensar que era escolha minha, sua voz tão firme e ao mesmo tempo tão baixa fazia das minhas vontades aparência de erros. É, maridinho, sabe ser cruel. E depois, de tantos anos de fala, o não seu e o sim meu, do estável, do igual, virei uma mulher comum, dona de casa, com mãos calejadas de alvejantes, que a melhor das conversas é sobre a novela do horário nobre e em dias bons, sobre como gostaria de ir naquela peça, no teatro tal. E você apenas acena, já que não iremos mesmo.
Talvez, a culpa seja minha mesmo. Sempre fui fraca e suas palavras, coração, acredito que foram doces como mel. Você vai, agora, cheio de pose com seus estudos, com seu visual de homem moderno sem filhos, daqueles que tira aliança para sair de casa, não avisa quando chega, que tem muitos amigos para beber, sair, jogar. Com mil amantes e a esposa em casa com a comida pronta e a janta lavada. E como tudo é fácil e tão perfeito.
Saiba, não te culpo, benzinho. No fim, você foi o mais interessante. Se suas vontades ásperas me atingiram não foi por que você quis, foi porque eu não conseguia lidar. E agora, fico aqui, preparando o jantar e olho pela janela, esperando se o cheiro do tempero te trás de volta. Ou em dias mais esperançosos, me devolve de ti.

sábado, 6 de fevereiro de 2010

domingo, 10 de janeiro de 2010

Sombra da Sombra

Tempos e tempos, desde que me lembro por gente, fiquei naquele estado de alerta com a base do pescoço toda dolorida. Me perguntava por quê, mas sem explicação comecei a desistir de sair de casa. Não tinha nada de interessante para ver lá fora, parecia tudo tão hipócrita ou como andar descalços sobre cacos de vidro.
E com minhas poucas saídas para as ruas, as avenidas, as pontes, as faixas, os passeios, sentia olhos famintos que me ridicularizavam e provocam tremores pelo corpo, um buraco negro no meu peito. E minha defesa foi ver esse mundo pela janela, qualquer que fosse, com cortinas escuras que bloqueavam a luz do sol. Aquele medo não retornava e as linhas que me costuravam com mundo já eram poucas e a janela cada vez mais fechada, sem sequer deixar o ar entrar.
Por algum tempo, alguns ainda vinham bater na minha porta, mas eu a trancava e permanecia no silêncio no menor sinal de alguma sombra. Era eu, no quarto escuro e úmido, já havia me tornado um fungo.
O relógio da parede não dava mais corda, os dias só eram noites e havia uma única linha que me prendia a algum ponto de realidade. E em insanidade e nojo, peguei a tesoura e a cortei. A adrenalina se espalhou pelo meu corpo.