quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Preto no Branco

A textura era de ferrugem, quase gasto e mal se podia ver. Aquelas fotos antigas com as pontas arredondadas que marcavam um rosto de carácter ingênuo. Trazia amêndoas, acerolas, mar, pés descalços, bonecas, palhaços, girassois, areia, nuvens, verão. A sensação do tempo infinito que só existem enquanto ainda somos crianças.

Depois, cores desfalcadas apareciam. Um azul cheio de timidez, um amarelo e o vermelho dos lábios. Retratos guardavam a beleza do encontros, bebidas, toques um tanto amargos, amigos e inimigos. Compõe ritmo frenético de poder ser irresponsável, quando os anos começam a passar sem serem percebidos.

O espaço cresce, enquadra. O universo recheado de tons vibrantes que começam a ser nítidos. Frutas doces tornam-se azedas e o azedo justifica a magoa de escolher a cada passo o próprio futuro, claro, de olhos vendados. Fuma-se um cigarro, depois outro e o sabor permanece na boca seca. As faces estão magras e os cabelos estão sobre os olhos. Sede de corpos próximos, mas de emoções distantes.

A moldura branca, a primeira e a definitiva. Reluzia o preto, marrom, roxo, rosa, laranja, verde, em foco e em plano. Mãos para seduzir, amores definidos e o desejo transborda imagem em perfeição. Quando chegamos perto dos trinta e aquele desespero pela estabilidade chega na porta. E em alguns anos viriam mais retratos, do puro branco do véu, dos filhotes no jardim, a falsa carreira, a mediocridade.

O gosto do café misturado com o cigarro dá náuseas a pobre Ana, ou Rita, ou Maria, ou Joana. Não faz diferença de qualquer jeito. Não havia fotos ou qualquer tipo de registro. Jamais poderia. Eram apenas aquelas mulheres de qualquer lugar. E nelas se encontrava a saudade da época e do tempo que nunca viveu, aquele desejo da vida que elas projetaram e nunca conseguiram, e assim, trancou-se no vazio surdo da consciência. Elas vivem pelo outro, pela novela das seis ou o romance de jornal, sobre tantas Sabrinas por aí.

Haviam, todas essas mulheres, esperado para descobrir que o tempo já passará. E talvez elas precisassem de mais cinquenta anos para descobrir que viveu apenas meio século. E como mulher, torço que pelo menos ou a Ana ou a Maria peguem a câmera com suas mãos um pouco enrugadas e tirem suas fotos, ainda que fossem monocromáticas.