terça-feira, 21 de setembro de 2010

Ego

Cristalizada na pintura
Guardo-me em caixa de nós
Moldada na janela em fresta
Da casa de bonecas.

Revela
A beleza de moça altiva
Na timidez de boca rosa
De olhar narciso
E Maria, as três contemplam
A margarida no jardim de ervas
Na mobilidade do cadeado.

Esconde
A sala de eco vazio
Moça curvada em melancolia
Corcunda de pai, mãe em libras
Tece sonhos em manta invisível
Dividida nos cacos de vidro
Pintada do sangue de juntar-se.

Renasce
Na bravura de velejar em tempestade
Desenhada em faces do tempo
Na tela sem moldura
Metamorfose de cada segundo
Me desfaço por inteira
E crio mais uma vez.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Insustentavelmente longo

Os olhos se cruzaram no saguão lotado; o brilho da atração já estava lá. Conversaram, riram, dançaram, dividiram um drinque e compartilharam um beijo. Sem demora, um dos dois pergunta: "na sua casa ou na minha?". Nenhum deles queria um relacionamento sério, ou sequer um relacionamento, mas gostavam do perigo daquele encontro casual poder se transformar em algo de uma semana, um mês ou até um ano. Não mais que isso.

Na manhã seguinte, ela acordou lembrando que não havia conseguido um orgasmo. Saiu sem sapatos para que ele não acordasse. Enquanto deixava o apartamento pequeno no subúrbio, já pensava na conversa com as amigas mais tarde; contaria como ele lhe oferecera um vinho barato e de sua conversa medíocre, e mesmo que tivesse aquela expressão de homem que não traí, jamais poderiam ser compatíveis: ele era de gêmeos.

Ele ouviu ela bater a porta ao sair, e riu, nem havia percebido que estava acordado há tempos. Graças a Deus, não aguentaria mais um minuto com aquela mulher frígida que falava sem parar, até durante o sexo. Sentiu a cabeça doer apenas por se lembrar. Ela era bonita, sim, mas ele era supesticioso. Não tinha sorte no amor. Nenhuma. Então, era melhor fugir de relacionamentos enquanto podia, pelo menos durante uma semana, um mês ou até um ano.


quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Mon Amour

Deixe-me cantar em francês, mon amour. Minha voz ecoa em lugar nenhum, apenas fora dos meus pensamentos, cantando nossas juras de amor que duraram um única noite. Não canto um Blues amargo, porque não corresponderiam as nossas falas sem sentido pela madrugada, mesmo com sua partida para as terras rodeadas de mar do nordeste. Prefiro cantar um pouco de Jazz e mexer meu corpo como fizemos na França.
Por isso, me aventuro em palavras, sem entedê-las direito. As luzes de Paris refletiam nos cachos dos meus cabelos e assim, eu podia seduzi-lo dentro de suas próprias mentiras. Pois, meu bem, sozinhos podíamos ser só pessoas, não ligaríamos para as palavras e canções alheias. Ficaríamos na nossa voz e violão.
E prometemos outras noites, mas ficamos apenas naquela. Não me arrependo, mesmo quando estou nos braços de tantos outros e não me parece certo. Canto, então, em francês, mon amour, não quero esquecer sobre nosso Jazz e Blues.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Tons Ambíguos



E lá estava ela, largada no sofá, rosto lavado em lágrimas, peito dilacerado em dor. Mesmo vestindo a sua calcinha de renda preta e seu melhor perfume, só conseguiu ser invadida por trás, sem o luxo de ser romantizada como mulher.
Ele saiu ajeitando o membro flácido nas calças e a deixou, sem mais palavras. E crua, ela levantou-se com o sangue escorrendo pelas pernas e pós o batom de mesmo tom. Tentou sorrir, mas estava tão quebrada, e mal amada, e com a maquiagem escura manchada, e feia. Ela poderia continuar com infinitos E.
Desistiu. Saiu daquele inferno com os pés queimando pelo asfalto, naquele fim de tarde de setembro. Mal respirava tamanha a dor. O céu ganhava tons ambíguos. Não conseguia mais chorar. E, ao pôr do sol, sentia que tinha virado bicho.