quarta-feira, 29 de abril de 2009

Maçã

Era única sua obsessão: Maçãs. Poderia ser qualquer outra fruta, laranjas, uvas, morangos, melancias, entretanto eram maçãs. Poderia ser qualquer coisa, flores, pássaros, animais, pintura, escritas, entretanto eram maçãs.
É claro que era diferente das demais crianças, quem no final da infância estaria interessado em plantar maçãs? Apenas o sofredor garoto de cabelo desarrumado e mãos calejadas de tanto mexer com a terra. Desde de pequeno não se interessava por carrinhos ou por jogar bola como os outros garotos, sempre fora interessado em plantar e cuidar de macieiras. Aliais um única macieira.
Todo dia pela manhã, antes do galo acordar, o pequeno menino saia de sua cama, tomava o leite que sua mãe lhe dava no copo e já saia para o jardim fiscalizar como andava o crescimento de sua plantinha. Depois de olhar cada folha, cada pedaço do tronco, jogar água e mexer na terra, ele sentava no galho mais alto. Então fechava os olhos, escutava todos os barulhos do acordar das casas.
Poderia passar o dia todo ali, apenas imaginando a vida de cada habitante daquele bairro tão simples ao mesmo tempo tão fantástico. Imaginava-se em grandes aventuras, tais como sair a procura de diferentes tipos de maçãs em várias florestas ou encontra com pessoas que partilhassem de seu gosto. E ele ficava lá por imaginar, como qualquer criança inocente.
Era um menino amante da solidão. Talvez por medo de corromper sua inocência com o contato com o outro.
Entretanto, ele não era plenamente feliz, pois sua macieira nunca havia dado nenhum fruto. Mesmo com tanto carinho, cuidados e dedicação, ela era estéril. Isso lhe amargurava. Com tantas fotos, vídeos e receitas sobre maçãs, o menino jamais havia tocado tal fruta em seus lábios. Era frustrante e ao final de cada dia se perguntava: o que mais precisaria fazer?
O que o pequeno amante das maçãs não sabia era sobre os planos da natureza para ele. Um dia então, sua macieira acordou florida. Isso também era um fato inédito. Sorriu com toda sua alma e coração. A felicidade transbordava do seu corpo. Correu e subiu na árvore, sentindo o aroma das flores. Tão entretido com estava deixou de perceber a aproximação de outra pequena figura, a qual sentou-se apoiada no tronco da macieira.
O garoto só percebeu a figura encostada quando desceu e logo enciumou-se. Quem era aquela figura que ousara se aproximar de sua amada árvore? Olhou para pequena garota com repudio. Ela cochilava inocentemente sem importar com seu vestido rosa melado de terra e grama. Contrariado, ele a cutucou com os dedos e ela acordou, lhe dando um sorriso. Não podia permitir que ela ficasse ali sozinha na sua árvore. E logo lhe deu as costas.
No outro dia ela estava lá de novo, e em outro dia também, e uma semana depois ela continuava lá. Todos os dias, depois de subir na árvore, a figura da menina aparecia encostando-se no tronco. A macieira era só sua! Não iria dividi-la. Então resolveu confrontar a pequena figura de vestido, pois se ela queria algo com ele deveria falar logo.
Desceu ao chão e como um tiro, falou diversas palavras ferinas de ciúmes. Perguntou para a garota o por que dela estar ali todo dia, por que nunca falava com ele, o que ela queria. Mas a cada palavra liberta, mais a menina se afugentava. Suas mãos tremias e seu rosto ficou vermelho, as lágrimas vieram aos olhos e com toda a força do mundo ela tentava falar. E por fim, ele questionou: "Nem agora vai me dizer alguma coisa?"
A menina segurou a barra no vestido, com a voz bastante rouca e engasgada, pediu desculpas e saiu correndo. Então, ele compreendeu. A menina não falava. E o menino pode compreender que dentro dela havia algo tão dolorido, impedindo-a até de pronunciar palavras. Amedrontado por sua estupidez e ignorância, mergulhou em sua cama e chorou. E jurou jamais repetir tamanho ato de infantilidade, pois sabia que ela não voltaria.
E como suspeitava ela não apareceu. A sua ultima esperança de perdão havia evaporado. Olhou para sua macieira, todas as flores haviam caído. Envergonhado, não possuía a coragem de subir nela novamente. Com lágrimas nos olhos, recolheu todas as pétalas que enfeitavam o chão como um jardim e entrou de volta para casa, pedindo perdão.
Inusitavelmente, no dia seguinte a garota havia voltado. Ele abaixou a cabeça e se colocou na frente dela, com as mãos suando e pediu desculpas. A garotinha apenas sorriu, como na primeira vez. Naquele momento, seu coração havia deixado de ser uma pedra e tornará-se uma pluma. Pela primeira vez, não subiria sozinho a macieira e pela primeira vez não pensava apenas em maçãs o dia inteiro. Curtia o silêncio em companhia. Havia feito seu primeiro amigo.
Então como um presente, sua macieira deu frutos pela primeira vez. Uma única maçã. Mas era sua, afinal só existia por seu esforço. E ele sorriu como nunca na vida. Ganhara diversos primeiros e esse havia sido o melhor de todos. Junto com sua nova amiga, subiu no galho mais alto. Pegou a maçã pelo talo com o maior cuidado e a segurou com carinho, sentiu seu aroma adocicado e admirou sua cor avermelhada. Sua barriga formigava, as borboletas em seu estômago não paravam. Levou a fruta a boca e com vontade deu uma mordida.
A maçã caiu de sua mão no chão.
O gosto era horrível. Apodrecido. Dentro estava tudo negro, corroído pelos insectos. Era isso que havia produzido com todo seu esforço?
A menina viu o sofrimento do amigo e rapidamente desceu, desaparecendo de vista. O garoto ficou parado sentindo o peso do fracasso. O afinco de gastar sua vida na produção de uma falha trás um desgosto que beira ao insuperável. A impotência o consumia por dentro.
A garota voltou e estendeu-lhe uma nova maçã. Tão bonita como a primeira. Ela sorriu e ele segurou a maçã. Fechou os olhos, temendo o sabor e encostou na boca. A menina segurou uma de suas mãos para encorajá-lo. Ele mordeu e o sabor adocicado preencheu seu paladar. Era a fruta perfeita. Doce e meia amarga, com a casca e o centro suculentos.
O garoto amante das maçãs abriu os olhos, então observou um ar diferente em torno de si. Encarou a garota sorridente a sua frente. Não tinha mais a solidão. E nem era mais inocente. Ainda assim, sorriu feliz.

I'm worse at what I do best. (Smells like teen spirit - Nirvana)

Um comentário:

  1. Achei a idéia central do texto muito boa e criativa. A crítica que eu tenho a fazer é que você se perde as vezes com o que tem a dizer.
    São muitas idéias juntas, que individualmente fazem sentindo, mas lendo no todo vêm como informação demais. E isso faz com que a mensagem principal que você queira passar seja ofuscada pelas outras, entende?

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