quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Roda Gigante


Devagar, quase parando, davam voltas em um círculo sem fim. Não sabiam quanto tempo duraria o momento. Inerte e completo. Naquela Roda Gigante em pleno verão, eles se encontravam e encontravam, totalmente perdidos.
Havia sintonia, como amigos e como amantes. Presos no tempo ao impedir o fluxo de suas paixões. Iludidos na tentativa de romper algo inevitável. Felizes por crer, afinal é o papel do tolo. Na figura mais frágil, miúda e infantil, o medo de perder o próximo retrato se personificava. A menina quase mulher. Ela fechava os olhos rápido e voltava a abri-los. Piscava infinitas vezes.
Via seus amigos. Não, amigos era uma palavra muito pequena para descrevê-los. Eram almas gêmeas, divididas em quatro ou cinco partes, se isso pudesse existir. Eles acreditavam, sem entender de espiritismo ou qualquer outra coisa, não entendiam de nada. E Assim, continuava a piscar e gravou em sua memória através do véu de suas lembranças.
O bolo na garganta de nervosismo, o cheiro almiscado do pescoço dele, a risada confortante do outro, a cor brilhante dos cabelos da mais bela, a sombra do pôr do sol em seus corpos. Guardava. Tatuava em sua pele e revelava em suas entranhas. Piscou. Estava montando seu álbum de fotos.
E com o medo, vem a melancolia. Cedo ou tarde, mas chega. E ao abrir a janela de vidro, o vento úmido do mar invadiu e trouxe consigo o efêmero. Mesmo ali no eterno, no imutável perfeito e na felicidade plena não podiam impedir. A Roda Gigante iria parar e eles iriam descer, já sabiam, só não queriam perceber. A menina sorriu triste, aquele era o último momento juntos por inteiro.
Enquanto a brisa preenchia e desenhava, a pequena piscou, tantas vezes que seus olhos lacrimejaram. Eles riram juntos, eram quase o sopro do próprio vento. Ela olhou, viu as cores, os detalhes, os amores. Olhou e fechou os olhos, sem tornar a abri-los. A Roda Gigante ainda não havia parado, talvez tivessem alguns minutos. Entretanto ela decidiu não esperar. A eternidade em troca de sua despedida.

Inspirado no volume três de Honey & Clover.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

sábado, 19 de setembro de 2009

Jogo de Azar

Ganhei uma bolada de dinheiro na aposta do trabalho. Usei aquela velha tática de estatística, um pouco de sorte e faturei a graninha. Daquelas boas, que dá gosto de gastar.
No entanto como qualquer idiota, logo qualquer homem, resolvi abusar da sorte. Era um cara de azar, sempre fui. Nunca ganhei nem no Par ou Ímpar. Pois bem, se aquele era meu dia de sorte iria usurpar dele o máximo. E assim o fiz.
Reuni uns amigos em casa, alguns antigos e outros nem tanto, umas gatinhas. Coloquei aquela MPB clássica, até aquele sambinha de roda e deixei me embalar. Estava abençoado, até achava que iria conquistar aquela moça que olhava para mim molhando os lábios na taça de vinho.
Sugeri um jogo de cartas. Muitos não toparam, ficariam só como expectadores. Insisti e consegui alguns jogadores. O que iríamos jogar? "Buraco" um sugeriu. "Não, não, muito batido" responderam. Queria um jogo de apostas, algo para ler o outro, para entender suas falhas. "Poker" falei.
Estava resolvido. Apostamos algumas fichas, perdi algumas, nada demais. Ganhei outras, especialmente aquela vitória com um Flush. Saíram alguns jogadores. Eu ainda insistia, mas meus pares não davam mais conta.
Sobrou um único adversário, olhei para ele e sua pilha de fichas. Não ia me abater, era tudo ou nada, minha ultima chance. Se não ganhasse agora ia ficar endividado, era a última. Usaria de tudo para ganhar. Ele deu as cartas. Olhei. Apenas um par. Droga! Estava tudo perdido.
Respirei fundo, calma, ainda resta um truque. Sorri presunçoso, arrastei todas as minhas fichas para o centro da mesa. Os lábios dele tremeram, o medo era evidente. Estava no papo. Entretanto, ele arrastou as fichas. Senti o suor escorrer pelo meu rosto, não iria me abater. Eu vi o medo no rosto dele.
Ele virou suas cartas. Deus! O Full House dele esmagou meu mísero Par.
Dei um gole gigante na bebida, cheguei a ficar tonto. Parece que a sorte tinha me abandonado mesmo. Sorri, não podia sair tão derrotado. "Uma amistosa, topa? Sem apostas" pedi. Meu adversário assentiu..
Tirei as cartas. Perdi o fôlego. O susto veio, logo em seguida a raiva . Bati minha mão na mesa com força, derrubando um copo com Wisky. Depois ri. Ri muito para não chorar.
Tinha um Straight Flush na mão. É, escolhi o acaso errado.