domingo, 10 de janeiro de 2010

Sombra da Sombra

Tempos e tempos, desde que me lembro por gente, fiquei naquele estado de alerta com a base do pescoço toda dolorida. Me perguntava por quê, mas sem explicação comecei a desistir de sair de casa. Não tinha nada de interessante para ver lá fora, parecia tudo tão hipócrita ou como andar descalços sobre cacos de vidro.
E com minhas poucas saídas para as ruas, as avenidas, as pontes, as faixas, os passeios, sentia olhos famintos que me ridicularizavam e provocam tremores pelo corpo, um buraco negro no meu peito. E minha defesa foi ver esse mundo pela janela, qualquer que fosse, com cortinas escuras que bloqueavam a luz do sol. Aquele medo não retornava e as linhas que me costuravam com mundo já eram poucas e a janela cada vez mais fechada, sem sequer deixar o ar entrar.
Por algum tempo, alguns ainda vinham bater na minha porta, mas eu a trancava e permanecia no silêncio no menor sinal de alguma sombra. Era eu, no quarto escuro e úmido, já havia me tornado um fungo.
O relógio da parede não dava mais corda, os dias só eram noites e havia uma única linha que me prendia a algum ponto de realidade. E em insanidade e nojo, peguei a tesoura e a cortei. A adrenalina se espalhou pelo meu corpo.