domingo, 30 de agosto de 2009

Fio da Morte


Meus olhos estavam fechados, meu rosto pálido e sem vida. Meu corpo estava inerte, sem movimentos, nem da respiração. A imagem começou a ficar mais nítida e vi em torno de mim flores brancas. Lírios.
Meus braços estavam fechados sobre meus seios. Um tecido branco aveludado me embalsava. Foi quando eu vi. Senti um choque, queria chorar.
Estava morta. Meu corpo descansava em um caixão branco.
Senti vergonha, nem lembrava como tinha desfalecido e parecia tão patética ali, inerte. Era tolice desejar ver seu enterro, é tão patético ver as pessoas chorarem por algo que nunca mais vai voltar para elas. É eu sei, isso não tem lógica. Mas sofrer por algo que não me dar retorno? Não, prefiro ser egoísta mesmo.
Isso explica porque não tem muitas pessoas para honrar minha pobre alma. Bem, ela não tinha ido para nenhum lugar na verdade, me pergunto por quê. Talvez não mereça o céu ou o inferno. Quem sabe as almas não partam... É quase vegetal.
Andei pela igreja escura. Meu pai chorava ajoelhado em um canto, aquilo me doía. Não vi a figura da minha mãe, não à culpo. Uns familiares sacanas querendo ver o sofrimento alheio, outros que eu nunca vira na vida. E alguns amigos, que com certeza iriam para o jogo depois ou para qualquer outro lugar.
Mas por um segundo eu parei. Tudo girou como se não pudesse respirar. Eu estava respirando? Isso não importava naquele momento. Ele estava lá, na porta. Mal podia ver seu rosto, o sol estava escondendo. Era como se o sangue tivesse parado de correr. Ele vinha lentamente, em direção aquele caixão branco aberto de forma nojenta. Era culpa dele, tudo.
Procurei desesperadamente por seu rosto, estava abaixado contra o meu corpo, inerte e sem vida. Desejava profundamente que ele encostasse seus lábios sobre os meus, mesmo que não pudesse sentir nada, nem o calor ou a paixão, nada.
Entretanto, ele só ficou lá, parado. Inerte como eu. Depois, levantou. Finalmente pude enxergar sua face.
Indiferente.
Não havia nada a ser lido, nem uma ruga ou olhos vermelhos de tristeza. Me encolhi. Ele passou por mim e eu fiquei cada vez menor, até que desapareci.

domingo, 16 de agosto de 2009

Infinito

As três e meia da manhã, em plena terça-feira eles conversavam. No ápice de sua pequena ignorância juvenil, acreditavam o quanto aquela situação os faziam parecer diferentes, cultos. Não que os fizesse de verdade.
Havia metade de uma garrafa de vinho no chão, roubado dos pais e um único cigarro no chão, eles não conseguiram fumá-lo. E em uma ressaca pós nada, eles estavam sentados nos lados opostos do sofá de cocha xadrez, no meio da sala com as pernas embaralhadas. E os olhares denunciavam o apelo sexual de toda a situação.
Porém, ainda inocentes não sabiam levar aquilo adiante. Ficaram apenas trocando palavras desesperadamente sem sentido. "Minha vida é tão vazia" ou então, "Eu sei que eu tenho o direito de aguentar ou morrer, talvez..." ou ainda "A dor vem em estágios, preciso de alguém para me salvar" - todas as falas de jovens presos na melancolia barata.
Ela estava enjoada desse lado infantil mal agradecido dele. E ele estava frustrado com a posição de vítima dela.
Só que situação era charmosa demais. Proibitiva. E os olhares, não podiam negá-los. Não estavam entregues a paixão, muito menos se amavam, nem sabiam se eram amigos. Estavam apenas ali, vivendo um segundo após o outro, curtindo o tempo passar em segundo tão longos de um minuto tão curto, em uma combinação de afeição e ódio, com a violência trancada em seus corpos e abandonada no pensamento sem nexo. Só sabiam que ficariam ali um segundo a mais, um segundo eterno. Pelo menos até amanhecer.

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Trilhos do tempo


Não havia sinal dos vagões do trem. Nem o barulho da locomotiva nos trilhos era perceptível. Mas eu já sabia meu destino, minha sina estava para terminar. E seria eu quem provocaria minha dor, um suicídio para o renascimento.
Eu dei um passo a frente e você segurou meu braço com força. Ao longe comecei a escutar o sinal do vapor. Com a voz fraca pedi para soltar-me, você não queria, entretanto o fez. Não sabia se era alguma prova de amor ou apenas estava agradecido da nova liberdade.
Eu jamais irei saber, mas seu rosto estava desfigurado pela dor. Quis tocá-lo, mas evitei, não resistiria e perderia o embarque. Seria mais fácil se as velhas emoções pudessem desaparecer sem uma palavra.
O trem chegava na plataforma vazia. Sai do seu lado e entrei. Era a encruzilhada onde nossos caminhos se separam, estava triste de saber que podemos nunca nos encontrar de novo.
Haveria significado em um amor fracassado?
É algo que desaparecerá como se nunca tivesse existido?
Essas perguntas jamais irão morrer. Saiba, mostrou-me mais de mim do que eu poderia enxergar. Te amei com toda minha alma e duvido poder amar menos ou deixar de amar. Vivi intensamente e não me arrependo. Amor é tempo e aquele tempo juntos viverá para sempre, nunca irá se romper. No entanto, o tempo passa e mesmo que aquele momento esteja tatuado em mim, eu mudei e você mudou. E como o tempo, o amor muda.
Agora, só posso te agradecer.
E no momento que o trem parte, te vejo ficar para trás na plataforma. Sua forma diminui até ficar invisível. A insegurança me bate. Estou sem rumo, não há caminho sob meus pés, mas não posso deixar de andar.